Crescer no cinema

Curadoria: André Félix

Pedagogia e Modelo

Um dos motivos da devoção da velha cinefilia pelo cinema mudo é a busca pelo olhar imediato para as coisas. Cria-se que o primeiro cinema ainda conservava o olhar para as Imagens em estado puro, como se fosse uma espécie de enciclopédia do mundo. Talvez esteja aí, uma das maiores marcas da alienação imposta pelo cinema branco europeu: o olhar idealizado para a reminiscência como modelo. Nos afastando dessa ideia, nosso processo curatorial, ao eleger esse tema “Crescer no Cinema”, se interessou por esses estágios de passagem, de transformação e instabilidades. Crescer é o ato de crescer, é um conjunto aberto que abarca todas as possibilidades de duração, até mesmo o tempo negativo, o que se perde pelo caminho.

Pele Manchada de Victor Motta abre a sessão e nos coloca uma interessante pergunta: O que precisamos deixar para trás quando se cresce como um negro? O filme nos apresenta de forma indireta uma história que trata de uma urgência de retorno à cidade onde a mãe está. Através do Google Street View, imagens da cidade deixada pra trás. Imagens de êxodo/exílio de alma e de corpo. O cinema como um primeiro passo na direção da cura. O retorno à infância através das fotografias é cheio de instabilidades, de fissuras e de momentos de doçura.

O que a criança nos ensina e o que a criança aprende conosco? O processo incipiente de uma pedagogia construída pela criança parece ser um dos objetos centrais do filme Dádiva de Evelyn Santos. O compartilhamento da pulsão criativa com sua sobrinha Maitê, de 3 anos, aponta para lugares bem interessantes sobre a questão do “cinema com...”. O filme retrata a cristalização do território afetivo de uma criança: atriz, narradora e motivo. Aqui fica clara a autoconsciência de Maitê sobre o filme sendo feito pela tia, que incessantemente investiga um modo de fluir como a sobrinha.

Olhos de erê de Luan Manzo, por outro lado, estabelece um novo lugar nessa direção muito bem sacado pela Kênia Freitas nas nossas reuniões de curadoria, porque ele não é só com a criança, ou sobre a criança: ele é um filme da criança. É um filme sem qualquer amparo no aparato técnico ou incentivado por um adulto. No entanto, há ali um aprendizado. O filme é também um testemunho de fé, preceitos e ensinamentos transmitidos para uma criança de 6 anos. Os filmes mais preciosos da história do cinema contém essa capacidade de transmissão.

A infância interrompida em montagem com o país desencantado. Calmaria de Catapreta é um filme de desajustados e evadidos, que lutam para lidar com um trauma pessoal em meio a um trauma geracional. A ambiguidade interna dos personagens entre seguir em paz e abrir mão da calmaria é uma bela construção que aponta para uma passagem, uma mudança de estado.

Fechando a sessão Ser feliz no vão de Lucas H. Rossi dos Santos retorna as imagens de arquivo produzidas sobre pessoas negras. Esse retorno de forma alguma é aleatório ou um gesto maneirista.  A investigação dele vai em duas direções: o negro como multidão e o negro como espetáculo. A força do filme está em como o filme se encanta pelos interstícios e microvilosidades presentes nesse olhar pré-internet. No momento atual, que narrativas e contra-narrativas têm capturado os sentidos das imagens, essa busca pelos brilhos de um outro tempo, nos revela não uma era dourada, mas um reflexo sinistro do status da nossa barbárie.

André Félix
curador

Pele manchada

L
7 min ∙ 2020 ∙ Salvador / BA
Decidi visitar a casa da minha vó na quarentena.
Direção
Victor Mota
Direção de Fotografia, Performance, Montagem
Victor Mota
Voz
Sônia Alves
Fotografias
Valmende Alves
Principais Exibições e Prêmios
7º Festival do Cinema Baiano

Dádiva

L
6 min ∙ 2020 ∙ São Paulo / SP
Dádiva, ato ou efeito de dar espontaneamente algo de muito valor a alguém. Um presente imerecido. O olhar e leveza de uma criança em tempos de isolamento.
Direção
Evelyn Santos
Empresa Produtora
Mundo em Foco
Elenco
Maitê Ortega, Ingrid Niara, Vera Lucia, Daniel dos Santos, Nike e Michele
Roteiro e Som
Evelyn Santos
Direção de Fotografia, Montagem e Animação
Rodrigo Sousa & Sousa
Arte e Produção
Evelyn Santos, Rodrigo Sousa & Sousa, Ingrid Niara, Vera Lucia e Daniel dos Santos
Revelação e Intermediação Digital
Lab.irinto.Lab
Principais Exibições e Prêmios
31º Curta Kinoforum – Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo (2020); 3ª Edição Festival de Curtas Mulheres no Cinema – Online (2020), 1º Cindie Festival – Online (2020), 5ª BIM – Bienal de la imagen en Movimiento – Buenos Aires - Programa Lab.irinto.Lab (2020),  4ª Mostra Cinema Negro de Pelotas (2020), 16º Curta 8 – Curitiba (2020), 7º Super OFF – Oficinas, Filmes e Festival Internacional de Cinema Super 8 - Home Movie Day(2020), 1ª Mostra Internacional de Filmes Domésticos (2021) ; Vencedor do 1º Curta em Casa – SP (2021)

Calmaria

L
24 min ∙ 2020 ∙ Belo Horizonte / MG
As ruas estão desertas, eles fogem buscando a paz, mas a paz é nossa inimiga.
Direção
Catapreta
Empresa Produtora
Imã de Mamão Filmes
Elenco
Alexandre de Sena, Juhlia Santos, Preto Amparo e Samuel Jorge
Produção
Catapreta e Thaísa Tadeu
Roteiro, Direção de Fotografia, Direção de Arte, Figurino, Montagem e Correção de Cor
Catapreta
Som Direto, Edição de Som e Mixagem
Daniel Nunes
Ass. de Arte
Victor Cesar
Motoristas
Romulo Cigano, Edna Vieira
Tradução, Legendagem e DCP
Grafo Audiovisual
Produção de Figuração
Agência Bloom
Principais Exibições e Prêmios
14º CineBH – Belo Horizonte International Film Festival, 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, 31º São Paulo International Short Film, 22º Festival Kinoarte de Cinema

Ser feliz no vão

L
12 min ∙ 2020 ∙ Baraúna / RN
Um ensaio preto sobre trens, praias e ocupação de espaço.
Direção
Lucas H. Rossi dos Santos
Empresa Produtora
Baraúna, Coletivo Preto e Quarentena Voadora
Co-produção
9Oitavos
Produção Executiva
Henrique Amud e Lucas H. Rossi dos Santos
Produção
Fabiane Zanol, Maria Aparecida Rossi e Edna Gramasco
Roteiro
Fermino Neto e Antonio Molina Burnes
Pesquisa
Henrique Amud
Colaboração de Roteiro
Ivam Galvão e Cacá Ottoni
Ass. de Direção
Luiz Carlos dos Santos
Som
Pedro Salles Santiago
Montagem
Lucas Henrique Rossi dos Santos
Ass. de Montagem
Fábio Ottoni
Colaboração de Montagem
Valéria Mauro
Design e Letterings
Fabiane Zanol e Caio Dornelas
Apoio
Universidade Estácio de Sá
Distribuição
Arapuá Filmes
Principais Exibições e Prêmios
Medalha de Prata de Melhor Filme no 1º CIndie Festival – MOV.CIDADE (2020); Prêmio de Melhor Documentário Curta-Metragem no 1ª FESTIHUR – Festival de Cine de Hurlingham (Argentina); Menção Honrosa 7º PLATEAU – Festival Internacional de Cinema da Praia (Cabo Verde); Menção Honrosa 27º Festival de Cinema de Vitória; Menção Honrosa de Melhor Montagem no FestCurtas Fundaj (2020) ; Menção Honrosa de Melhor Montagem na II Mostra Quilombo de Cinema Negro; Prêmio De Melhor Montagem no III Festival de Cinema Negro Contemporâneo – Griot; Prêmio EDT. Melhor Montagem e Menção Honrosa no 26º Festival Internacional de Documentários É tudo verdade (2021).

Olhos de erê

L
11 min ∙ 2020 ∙ Belo Horizonte / MG
Luan Manzo tem seis anos e é bisneto da matriarca Mametu Muiande do Quilombo Manzo N’gunzo Kaiango, um dos quilombos reconhecidos pela cidade de Belo Horizonte. Fundado em 1970 por um preto velho, pai Benedito, Manzo é palácio de rei, governado por uma rainha. Ali germinam sementes e crianças, num processo educativo - a afrobetização - que afirma a organização, o coletivo, a ancestralidade e a circularidade do povo negro. As crianças no quilombo crescem sabendo-se respeitadas, e por isso Luan percorre aqui o espaço sagrado, descrevendo-o a nós com segurança, conhecimento, rigor e frescor infantil. É ele quem, com um celular em mãos, propõe este filme.
Direção
Luan Manzo
Empresa Produtora
Quilombo Manzo N'gunzo Kaiango - Edukação de Kilombu e Guanambi Audiovisões
Produção
Makota Kidoialê (Cassia Cristina da Silva), Manzo N’zungo Kaiango e Bruno Vasconcelos
Roteiro, Direção de Fotografia, Montagem e Som
Luan Manzo
Principais Exibições e Prêmios
Mostra Instante Suspenso - BDMG/FCS (2021), Semana de Cinema Negro de Belo Horizonte (2021), 6º Prêmio Cultural BDMG/FCS de curta metragem (2020)
realização
apoio